Acabamos de comemorar o Dia Internacional da Mulher, data que nos faz pensar sobre diversos temas, dentre os quais está o da sexualidade.
A sexualidade, que até hoje é algo complexo e às vezes problemático para a maioria das mulheres, é ainda mais para as mulheres com deficiência, de todas as idades. Então, vale a pena a gente conhecer mais sobre esta questão, sobre a qual pouco conversamos.
Para começar: de quantas mulheres estamos falando? Quantas brasileiras têm algum tipo de deficiência? Segundo o Censo Demográfico do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - de 2000, existem 61,5 milhões de mulheres no Brasil, sendo que 11.300. 000 possuem algum tipo de deficiência. No total, há 25 milhões de brasileiros com deficiência, dos quais 46% são mulheres - índice que podemos considerar bastante significativo!
Como tudo começou
A história das mulheres, do ponto de vista dos direitos e da cidadania começa em 1910, a partir da II Conferência Internacional de Mulheres, quando se propôs que o dia oito de março fosse lembrado como o Dia Internacional da Mulher, em homenagem às 129 tecelãs de uma fábrica de Nova York que, ao reivindicarem a diminuição de sua jornada de trabalho, acabaram mortas. A data foi oficializada como símbolo da luta pela igualdade de diretos entre homens e mulheres.
Em 1967, foi proclamada a Declaração Universal dos Direitos da Mulher pela ONU (Organização das Nações Unidas) e 1975 foi declarado o Ano Internacional da Mulher. Pode-se dizer que uma das revoluções do século XX foi a da mulher, e a transformação do lugar social ocupado por ela.
Então, está tudo resolvido?
Embora as mulheres tenham conquistado espaços no trabalho, na família, na mídia, nas artes, ainda há questões a serem resolvidas: a diferença de salários entre homens e mulheres que desempenham a mesma função é uma delas. As questões que envolvem a sexualidade é outra.
Em geral, o tema da sexualidade aflora com mais vigor na adolescência, para moças e rapazes, tenham ou não deficiência. Esta é a fase da "turma", da preocupação com a aparência, com "o que os outros vão achar". A família deixa de ser "a" referência; liberdade, ousadia, quebra de regras estão na ordem do dia. Sem falar nos hormônios em ebulição!
Estas alterações ocorrem em todos os jovens, não importando se têm ou não uma deficiência. Para os que têm esta condição, sentimentos de insegurança, angústia, medo são ainda mais acentuados.
Se nessa idade uma espinha no rosto já é considerada um problema, como será considerada a evidência de uma deficiência?. Como manter a auto-estima em alta? Como usar as roupas da moda, em uma cadeira de rodas? Como a garota com deficiência visual aprende a usar maquiagem? E tattoo, pode??São inúmeras as indagações decorrentes desta situação e merecem nossa atenção.
O que fazer?
É necessário que os pais e a escola se preparem para acolher estas (e outras) questões que irão aparecer, nesta faixa etária. O papel da escola é contribuir com a com a informação e a quebra de preconceitos. Os professores devem estar sempre atentos, identificando oportunidades de abordar as questões trazidas pela adolescência, dentre as quais a da sexualidade que se apresenta, de forma velada ou imperativa, utilizando textos, filmes, literatura e outras alternativas didático-pedagógicas.
Já temos livros que falam sobre a sexualidade da pessoa com deficiência; dentre os quais destacamos o do psicólogo Fabiano Puhlmann, que é tetraplégico, especializado em sexologia e que aborda os tabus que envolvem a sexualidade das pessoas com deficiência, no livro "A revolução sexual sobre rodas - conquistando o afeto e a autonomia".
Outra alternativa que o professor pode adotar é trazer uma pessoa com deficiência para conversar com os alunos sobre isso. Esta é uma estratégia interessante, pois aproxima a questão, tratando-a no plano da experiência pessoal, não do discurso frio e distante.
Os pais também devem sentir-se tranqüilos para responderem às perguntas das filhas, trazendo informações, conversando e reconhecendo sua sexualidade e o direito a exercê-la.
É muito importante que os educadores e os pais tenham conhecimento destas questões, pois o que dizem e o que expressam de forma não verbal, através de olhares, silêncios, expressões faciais influenciam a forma como aquela adolescente lidará com a sexualidade. É uma fase muito difícil e importante, com descobertas de um corpo em transformação e com experiências no plano das relações amorosas.
Deficiência e estigma
O tema da Deficiência possui um estigma social que se reflete também no plano da sexualidade.
Acredita-se que a mulher com deficiência não tem sexualidade. Ela tende a ser vista de forma infantilizada, a ser protegida e cuidada - (esta postura é bastante comum, especialmente com adolescentes com deficiência mental). Outro equívoco é vê-las como assexuadas, que devem ser tratadas apenas como "amigas" por seus colegas de classe.
Esse estigma também traz outros equívocos: mulheres com deficiência física, em cadeira de rodas, não podem ter filhos ou exercer o ato sexual, ou que as mulheres cegas possuem um toque mais sensível, o que tornaria o ato sexual muito mais prazeroso.
Enfim, são muitos os equívocos que precisam ser desfeitos: a mulher com deficiência física ou motora pode ter filhos, pois não há relação nenhuma entre deficiência (seja ela qual for) e fertilidade, a não ser que a infertilidade seja ocasionada por fator externo à deficiência, assim como ocorre com mulheres sem deficiência.
A mulher com deficiência visual é, antes de mais nada, uma mulher, que tem possibilidade de exercer sua sexualidade, assim como pode escolher se quer ter filhos ou não.
É importante levar esta informação às pessoas, pois quem nunca teve a oportunidade de conviver com uma mulher com deficiência, provavelmente carrega estes falsos conceitos consigo. Também é fundamental que a própria adolescente com deficiência possa reconhecer e exercer sua sexualidade. É justamente em decorrência deste auto reconhecimento que o outro passará a enxergá-la com este atributo e como uma possibilidade amorosa.
Em nossa sociedade, valores como a beleza física e a perfeição são muito valorizados e maciçamente divulgados pela mídia, fazendo-nos erroneamente atribuir ou restringir a sexualidade ao aspecto físico. Assim, muitas adolescentes obesas, por exemplo, também acabam vítimas destes estigmas sociais, como os casos de bulimia e anorexia comprovam. Porém, Freud já dizia que a sexualidade é algo bem mais amplo que o seu plano físico; envolve questões afetivas, da história familiar de cada um, de ordem social e cultural.
Embora nem todas tenham lido Freud, muitas mulheres com deficiência namoram, casam, têm filhos, trabalham, enfim, exercem plenamente a sua condição feminina, pois entendem e vivem a sexualidade e a sensualidade sem preconceitos.
Vamos passar a palavra para Marcela Cálamo Vaz Silva, 37 anos, que é professora e, aos seis anos, tornou-se paraplégica devido a uma infecção na medula.
"Uma pergunta que sempre me faziam era se meu marido também era deficiente. Na primeira vez, achei a pergunta sem o menor sentido, não conseguia entender o porquê dela. Com o tempo e com a freqüência com que me perguntavam isso, comecei a perceber o que se passava na cabeça de algumas pessoas, e a entender melhor o motivo de tal pergunta. Essas pessoas achavam natural que um portador de deficiência procurasse se unir a outro cuja deficiência fosse igual ou parecida a sua, por acharem que assim seriam melhor compreendidos e, conseqüentemente, mais felizes.
Não tenho nada contra quem se une a alguém "igual" mas, o que não entendo, é o pensamento de que, com o "igual", a chance de ser feliz será maior. Crescemos convivendo com pessoas cujas crenças, pensamentos, cultura, limitações são diferentes das nossas. Conviver com diferenças sempre nos faz crescer, sejam elas quais forem, e a ação contrária gera discriminação, grupos fechados, guetos. Então, por que alguns portadores de deficiência acreditam que só serão aceitos e felizes unindo-se a outros portadores de deficiência?
Pensei muito sobre isso, tanto que demorei meses para escrever este texto. E, depois de muito pensar, cheguei à conclusão de que não sei a resposta e, se um dia souber, jamais a compreenderei, pois minhas experiências, minha vivência, não me capacitam para isso".
*Somos todos iguais, cada um com suas diferenças [artigo online] na Rede Saci
Mais um depoimento, da Joana Belarmino, que tem deficiência visual, é jornalista e professora do curso de Comunicação e Turismo da Universidade Federal da Paraíba, Doutora em Comunicação e Semiótica. "A sociedade evoluiu, material e culturalmente, ampliou os espaços de atuação dos seus grupos; entretanto, no cotidiano das suas práticas e costumes, aferra-se aos arquétipos primeiros da criação do sujeito humano, os quais deram fundamento ao estigma e ao preconceito, fazendo com que persistisse para nós, mulheres cegas, mulheres surdas, mulheres portadoras de limitações físicas, o traço da desvantagem, da desqualificação, da desconsideração, se quiserem, da consideração de nós mesmas a partir da supervalorização da nossa deficiência, como a falha mais visível que assim inviabiliza uma percepção de nós mesmas como sujeitos humanos globais". Mulheres que lutam[artigo online] na Rede Saci
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